CRÔNICA
Dois mil e quinhentos pés de altura. Sim. Os instrumentos diziam que cheguei à essa altura.
Nesse momento comecei a ver os últimos acontecimentos como um filme. Opa! Mal sinal, concorda?
E lá vinham as imagens e as frases. As frases, pedradas que caíram nesse carioca de mais de meio século. No trabalho, na família e ausência das pessoas que amava. A mulher se foi, o trabalho também. O que será de nós sem emprego no Rio de Janeiro?
Um buraco foi se abrindo e nele eu não ia cair, tava decidido. Decidi sim, depois de ficar olhando pra televisão, igual um mané, onde anunciavam o vencedor do Oscar (Birdman), que seria melhor, do que encher a cara, pegar a asa delta e dar uma relaxada. Cumpadi, fui.
Morro da Urca, lá fui eu. O meu supervisor de voo disse que o clima estava ótimo e as condições próprias para o voo. Saltei de uma vez, depois que a asa estava armada, tinindo, linda, e saí correndo como quem fugisse do cão Rotweiller do Tião, aquele meu amigo sacana. Em instantes já alcançava as nuvens. Camada por camada fui subindo, subindo, subindo... Pegando um vento norte e uma espiral, fui subindo mais e me isolando como que por sem querer. Pra relaxar ou pra fugir? Ainda não tinha decidido. Que se lixe tudo.
Não sei mais o que é tempo, lugar, quem sou... me tornei parte do todo. Envolvido só pelo azul total daquele céu. Tava puro, nem um gole hoje, não tô doido também. Aí comecei a me sentir como quem visse... Não.. vou explicar. Sendo sincero? Eu via o invisível. Ultrapassei algum limite de percepção humana ou um novo sentido além dos naturais. Experiência assim nunca tive. Você deve estar querendo me perguntar se senti medo. Medo de estar ali sozinho ou medo de morrer. Certo? Eu digo: não senti. Sentia liberdade e uma paz misturada com alegria. Uma coisa linda. Imensa, mas linda. Aí fiz uma merda: Subi mais. Só tomei o rumo e subi porque queria.
Sim, sim... fui subindo porque não conseguia ir pra mais lugar algum. Como se a mão de Deus estivesse me guiando. A asa não conseguia sair da térmica. Olhei os instrumentos: 3.500 pés de altura. Nem percebia nada em mim... Bom, a dificuldade de respirar começava a incomodar. Eu fingia que não sentia. Uma gaivota engoliu um mosquito e parecia parada no ar. Eu também, ali parado. Será que agora só resta dizer adeus? Será que eu queria morrer? Seria mais fácil, né? Melhor morrer aqui do que morrer de bala perdida no Rio de Janeiro. Isso eu não admito. Mas, desistir agora?
Eu não. Sou teimoso pra cacete, cara. Meu maior defeito, teimosia, e que agora terá que ser minha qualidade. Isso mesmo. Se eu subir mais, meus pulmões explodem. Já até ouço um zunido... Zunido aumentando. Não é da minha pressão arterial. O zunido é de um avião. Caraca, olha aonde eu cheguei. Daqui pra cima só resta o espaço, última fronteira. Hora de descer. Entendi a lição. Hora de descer.
Só vejo nuvens e azul, mais nada. Uma camada, duas... só nuvens. Meu Deus, fala logo... Eu morri? Não vejo terra. Mais nuvens e, enfim, o mar azul. Estou na Barra da Tijuca, pois reconheço as ilhas. Estou de volta. Meu supervisor fala no meu ouvido pelo rádio, que se eu fizer isso de novo ele me proíbe de voar. Vou obedecer, pois não tem mágica maior na vida do que a liberdade de voar.
Um conselho: voem também, mesmo sem sair do chão. Ousem.
Texto e arte: Marcos Costa
Baseado em uma história real.
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Boa semana para todos.
Compartilhem e divulguem o blog Cost@.
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Parabéns para todas as mulheres nesse Dia Internacional das Mulheres.
Arte: Christine Costa
Arte: Marcos Costa
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Semana que vem um trecho do meu primeiro livro, ainda não publicado.
Até...