segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O FUTURO DA MEMÓRIA - (Renato Alves)



Imagine-se num parque de diversões. Os brinquedos são rústicos, os ferros estão tomados pela ferrugem, as crianças não se animam a brincar.

O parque fica no centro de uma grande cidade numa praça repleta de enormes
e frondosas árvores plantadas na época da inauguração, no final do ano
2012.

O cenário é o ano 2083.

É manhã. Você está sentado num banco e seu olhar fixo parece observar
algo ou alguém entre as árvores. De repente a sua concentração é desviada, seus pensamentos são interrompidos por uma voz:

                                      “O que você achou desta nova invenção?”

Quem faz a pergunta esta de costas sentado num brinquedo, desses, de girar.
Mesmo de costa você percebe que se trata de um homem, calvo, magro, usando Jeans, tênis e camiseta. Porém, a voz não é masculina é feminina, suave, boa de ouvir. Mais estranho ainda é o fato de que a voz daquela pessoa não entra pelos seus ouvidos, ela vem de dentro da sua mente.

                                      “É um aplicativo revolucionário, não acha?”

O homem dá um impulso com a perna esquerda fazendo o brinquedo girar para direita, permitindo ver seu rosto. É familiar. É Steve Jobs, o fundador da Apple. O criador do computador pessoal, facilitador da alta tecnologia, o inventor do iPod, iPhone e do iPad. O mago da inovação está sentado bem ali, na sua frente, conversando com você, mas de sua boca não sai qualquer som, a voz simplesmente surge em sua mente.

    “É a minha nova invenção.” – diz. “Um aplicativo que permite escolher a voz de celebridades do passado num banco de dados com nomes como Oprah Winfrey, Bruce Willis, Jim Carey ou Maddona. São mais de três mil vozes para modelar. O aplicativo é gratuito, você pode baixá-lo agora mesmo em seu iMind.”

O iMind é sucesso desde 2062. Trata-se de um nano chip implantado na retina dos olhos e conectado diretamente ao cérebro através do nervo ótico. É a versão contemporânea do seu tataravô, o iPad, com a
vantagem de não precisar manuseá-lo com as mãos. O iMind é subordinado ao pensamento. Tudo surge na frente dos olhos, basta pensar. O sucesso e a evidente utilidade do nano chip conectado ao cérebro é tamanho, que 90% da população mundial já o tem implantado e o utilizam sem dificuldades.
Os idosos de 2082 foram os bebes que em 2012 manuseavam tablets e smartfones.

Na praça havia muitas pessoas, mas estava silenciosa. Jovens, adultos, crianças, homens e mulheres, todos em completo silêncio. Um silêncio perturbador. Num banco do outro lado da área dos brinquedos havia uma menina com um lindo vestido branco. Seu rosto estava sério, ela parecia concentrada. Os olhos fixos, bem abertos pareciam olhar para algo distante.
Próximo a ela havia um garoto de uns quatro anos de idade. Ele estava sentado na calçada com os pés descalços pisando na areia. Ele também estava sério, imóvel e também apresentava um olhar fixo voltado para algum lugar. Ao seu lado, sentada num banco e igualmente imóvel estava sua babá. Ela olhou para o garoto e sem dizer uma única palavra ele se levantou, tirou a areia dos pés a ambos foram embora. A atmosfera misteriosa e o estranho comportamento daquelas pessoas o deixa intrigado.
Jobs, notando sua curiosidade comenta:

“O maior problema continua sendo a falta de empatia.”

“Há algumas décadas, cientistas descobriram que o produto da alteração química e estímulos elétricos cerebrais geravam ondas eletromagnéticas passíveis de medição. Eles notaram que de alguma forma
tais ondas eram interceptadas pelos cérebros de outras pessoas. Nossos cientistas descobriram como decodificá-las. Criamos aplicativos para comunicação mental que modificaram o comportamento humano. Com o iMind qualquer profissional pode, com autorização, entrar na mente de qualquer pessoa e oferecer produtos, serviços e aconselhamento. Redes sociais e empresas de entretenimento saíram na frente possibilitando farta conexão entre os bilhões de humanos. Os novos aplicativos de comunicação mudaram
de tal forma a maneira como as pessoas interagiam que percebeu-se que não era mais necessário falar. Isso foi há apenas uma década, hoje os cientistas já encontram casos de jovens sofrendo alteração na fisiologia
das cordas vocais. As pessoas se aproximaram virtualmente e se afastaram física e afetivamente. Foi por isso que criamos este sistema de alteração do tipo de voz. É para quebrar o gelo, para gerar empatia.”

Perplexo, você olha para as pessoas ao redor e entende a razão daqueles olhares fixos e distantes: todas elas estavam conectadas acessando os aplicativos do iMind. Jobs continuou:

“Hoje, graças ao poder de integração máquina-cérebro, as pessoas
são menos agitadas e mais focadas. No começo do século a ciência
investigava a dificuldade de foco das crianças. Era comum encontrar jovens
tomando medicamentos para o controle do que chamavam de TDAH (transtorno de
déficit de atenção e hiperatividade). Hoje, nossos jovens ficam o tempo
todo conectados realizando tarefas, pesquisando, jogando ou interagindo com
sua lista de contatos. Se no início do século as pessoas se queixavam de
falta de concentração, hoje temos seres humanos altamente
concentrados.”

“Nossos jovens ficam mais tempo dentro de casa e não precisam mais frequentar escolas. Temos sistemas completos de alfabetização instantânea no iMind. Os pais não precisam brigar, exigir ou se preocupar
com notas até porque não existem mais escolas, as últimas foram extintas há uma década. Num mundo onde tudo pode ser aprendido virtualmente com um simples pensamento, as pessoas praticamente nascem alfabetizadas. Basta olhar fixamente para uma montanha, um monumento, folha de uma árvore,
inseto ou qualquer parte do céu que algum aplicativo do iMind iniciará uma aula completa com mais didática do que qualquer professor pode atingir. Universidades viraram cursos de aperfeiçoamento e aplicação de
teorias. Para ingressar nestas universidades nossos filhos não são avaliados pelo que sabem – pois qualquer pessoa tem a acesso irrestrito a tudo – mas pelo que fazem com o que sabem.”

      “E o que aconteceu com a memória humana? As pessoas não usam mais a memória?” – você pergunta.

O sorriso de Jobs desaparece e em seu lugar surge uma expressão tensa. A  testa enruga e os olhos se movem de um lado a outro travando um diálogo interno. Na verdade Jobs pesquisa a resposta em sua memória, não na natural, mas numa grande base de dados chamada “Conhecimento Humano”.

“Não usamos mais a memória. Hoje as pessoas se abastecem da mesma fonte, de uma memória coletiva, acessível a todos. O romantismo do passado, o saber de cor letras de músicas, poesias, histórias foi
engolido pela necessidade de sermos práticos, rápidos, produtivos. O ser humano atingiu o ápice do conhecimento, todas as perguntas foram respondidas e todas as respostas estão disponíveis a quem quiser acessar. Basta você se concentrar, pensa num tema e um orador virtual surge diante dos seus olhos. Este orador especialista transfere para você o conhecimento solicitado. Nós não precisamos mais da memória. Nossos cérebros aprenderam a se ajustar. O progresso matou velhas e criou as novas conexões.” – Concluiu Jobs.

Você se levanta do banco e fica de pé. Esfrega as mãos. Elas estão frias. Você as aproxima da boca, como um gesto de oração, pensa sobre tudo o que Jobs disse e se lembra do “orador virtual”. Você levanta o
rosto e foca seu olhar diretamente nos olhos dele. Jobs começa a sorrir. Ele leu seus pensamentos, sabe qual é o comando. A imagem do corpo dele começa a tremer e distorcer como uma imagem de televisão quando perde o sinal.

Jobs desaparece.

by Renato Alves – Preparador Mnemônico
www.renatoalves.com.br

Colaboração de Daniel Leocadio.

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BOA SEMANA AMIGOS










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