Zé da Quebrada, aquele que morava
na ladeira.
Sim. Ele mesmo. Não sabe o que aconteceu?
Tentou o futebol quando garoto, mas por causa da mãe que ficou
doente ele teve que trabalhar bem cedo na vida. Pai nunca soube quem era, mesmo assim
ele não desistiu. Talvez o problema do Zé fosse esse - não desistir de encontrar saídas, mesmo quando tudo está difícil.
Com os problemas da mãe e as
visitas ao Hospital do Câncer, o patrão do Zé não tolerou os atrasos, faltas, e mandou o
sujeito embora – demitido.
Zé arrumou um trabalho de
entregas numa farmácia depois que a sua mãe foi morar com Jesus e conheceu a
Larissa, com quem se casou e teve um guri, o Zezinho. Só que Zé não virou balconista e nem pensava muito em ser. Não
teve estudos e o pior que não acreditava em si. Não procurou e não incentivaram como tantos. Claro que, com essa
garra toda, ele iria se dedicar a uma oportunidade que lhe dessem. Mas ele só abraçava as
chances que estavam em sua linha de visão e não aprendeu que certas tantas
outras ficam atrás das portas da vida.
Larissa trabalhava também, diarista, mas
foi ficando de saco cheio dessa vida.
Não era como na novela. Como era bom se tivesse um tiquinho de conforto. Talvez
um pouco mais que esse tiquinho a fizesse feliz. Talvez mais um pouco e um pouco mais rapidamente de conforto. E em
poucos anos a insatisfação surgiu durante o prazo de validade do Zé. Inconformidade já batia na porta
daquele lar. Larissa queria um novo príncipe e tudo que o dinheiro pode dar, pelo menos um com carro do ano,
melhor que o Zé que só tinha uma bicicleta de entregar remédios.
Zé começou a perceber que lá na
comunidade estavam crescendo o olho pra sua Cinderela e tratou de aceitar a
proposta do Digão, o colega da farmácia metido malandro: vender remédio como
camelô. Só que seriam os remédios da farmácia mesmo.
Se o negócio deu certo? O dinheiro em casa imediatamente. Larissa pouco queria saber de onde vinha,
só bastava tirar uma de senhora madame
no shopping esfregando na cara das amigas que bastava pressionar um pouquinho
que o homem vende a alma pra não perder a mulher.
Uma semana durou o esquema. Nem um dia a mais. Pro
Zé da Quebrada era dinheiro e trabalho - Todo
mundo ganha algum dando um jeitinho. Não é droga. É remédio – pensava ele. Pro Digão, o Zé era um laranja
que ganhava dinheiro pra ele. Pra Larissa... Bem... Não era. Pra polícia o chefe da quadrilha de roubo de
medicamentos. Pra imprensa um prato cheio que só ficaria saboroso até aparecer outra
notícia.
Zé da Quebrada foi preso
estampando sua cara nas páginas dos jornais e programas de crime na TV. Sua agora ex-mulher deu
entrevistas exibindo um generoso decote e se mostrando como uma mulher que sofria maus tratos do inofensivo Zé. Ela sonhava que algum diretor de novela a visse e a escalasse para a próxima novela da noite por sua "excelente" atuação. O Digão
acabou ficando famoso dizendo que o Zé era um mafioso internacionalmente
procurado. O que lhe rendeu até uma proposta de escrever um livro. A imprensa não acreditava, mas como o povo engolia a história foi
bem maquiada para dar um bom material e acalmar as redações sedentas de notícias.
Zé da Quebrada hoje cumpre pena
em Bangu. Se dá bem com todo mundo: carcereiros, presos e até o diretor. Até seus colegas sabem que houve muito
exagero. Ele quer cumprir a sua pena pelo crime que cometeu, sabe que vendeu roubo, e depois quer recomeçar
sua vida longe de Larissa, longe de amigos de copo, longe da cidade grande que
devora sem se perceber. Quer no fundo mesmo deixar alguma coisa para seu filho Zezinho.
É pedir demais?
autor: Marcos Costa
Boa semana para todos.